domingo, 21 de novembro de 2010

Atualizando Cândido - I

CÂNDIDO OU O OTIMISMO, de François-Marie Arouet - Voltaire (1694-1798)

"Toda ação provoca uma reação de igual intensidade, mesma direção e em sentido contrário". (Isaac Newton - 1643-1727)




"Tudo foi feito com uma finalidade, tudo existe necessariamente para o melhor fim." Pangloss, filosófo e professor de Cândido, Barão de Tunder-ten-tronckn.

A Senhorita Cunegundes, amada de Cândido, se convence da Lei de Causa e Efeito após presenciar as aulas de física experimental que Pangloss ministrava, atrás do mato, à camareira de sua mãe.

É claro que poderíamos pensar, e o óbvio seria, vocês hão de convir, que o mal fornece a medida do bem, jamais o contrário, entretanto, o bem e o mal tem causas e efeitos diversos, nem sempre na mesma intensidade, na mesma direção e em sentido oposto, o que não quer dizer que seus desencadeamentos em um grupo, sociedade ou nação não possam ser avaliados em termos de ética e moral. A massificação de valores deturpados por falsos 'heróis', patrocinados por marcas famosas ou na fila da sucessão, surge de conhecimentos básicos acerca de comportamento humano, aí vão dois deles: curiosidade sobre sexo e a maledicência natural do indivíduos nos meios sociais, seja qual seja. A polemização, mediocremente improdutiva, dos comportamentos sob confinamento, e a máscara de refinamento e luxo dada ao cortiço via satélite, são os efeitos da busca do dinheiro a qualquer custo: enquanto um pretenso 'herói' angaria um milhão, em qualquer moeda, os promotores do "grand cirque pathétique" enriquecem exponencialmente, e se consolidam como mercadores vulgares num livre comércio onde a moeda virtual de troca são os valores do individuo, neste caso, a falta de alguns deles. Então, podemos abstrair que o dinheiro é a causa. Bom, torçamos para que o efeito colateral seja a politização verdadeira e séria da questão em algum lugar que não seja nossas caixas de entrada de e-mails, repletas de solicitações para que se vote em um ou outro 'herói' ou 'heroína' da manada.
Jeanne Chaves

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sobre As Heresias Do Sec. XXI

Um texto poético é sempre um texto. Nasce na plangência do medo, na qualidade de uma alegria, nos motivos de uma cólera, na catarse de uma tristeza ou, inesperadamente, da contemplação e reflexão. Elo íntimo, unificando autor e leitor em ato reflexo, no qual, ambos 'se pensam', e têm seu momento ágape. Assim o exige a condição precípua de comunicar, mas esta condição nem sempre implica entendimento, aceitação ou rejeição do conteúdo de um texto, pois que este nada mais é que afetos grafados em símbolos pronunciáveis à língua e ao pensamento. Contraditoriamente, é desta forma que se dá a construção do conhecimento do ser humano, através dos tempos, no que lhe é possível e permissível conhecer.

Assim, foi que despertou minha atenção os poemas "HERESIAS", do conterrâneo Luís Eurico, cujo link disponibilizo abaixo:

E que me forneceu a seguinte reflexão:

"No interior Ele está. O mais, é este 'mosaico instável', limitadamente temporal e obliterado por valores confusos, por semelhanças que Lhes dão. Pode-se ser humano sem ser cristão (estes, raros, são criaturas Dele, também.) e pode-se ser cristão sem ser humano (estes, mais comumente, são criaturas de si próprias). Seriam estas, então, as fatais heresias."

http://www.euliricoeu.blogspot.com
Jeanne Chaves

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Crítica Literária Para "Estado Bruto" - Janilto Andrade





O romance moderno, em sua infância, travou uma dura quebra de braço para se fazer respeitável. É frequentemente, em narrativas romanescas dos séculos XXVIII e XIX, a recorrência a curiosos artifícios, a fim de dotar esses textos de veracidade. O narrador, por exemplo, às vezes, assegura ter conhecido tal ou qual personagem; ou fornece um endereço real, onde teria ocorrido o conflito.
Quem é do ramo das letras sabe que o que importa não é saber se o mito num romance corresponde a um acontecimento de realidade, mas apreender, na leitura, o que o escritor manifesta a respeito de fenômenos da realidade. Não será a exata adequação do mito com um fato real que dará excelência a um romance. Será, sim, a agudeza das revelações que o escritor faz de comportamentos humanos. Atitudes subjetivas ou sociais.
O mito, num romance, é a trama das ações vividas pelas personagens. E isso que constitui um universo ficcional. É a pequena história. Se a pequena história possibilita a construção de uma grande história, aí o texto romanesco se afirma como literatura. Dependerá do tamanho da grande história a riqueza do texto.
São as leituras que vão cosntruindo o tamanho da obra literária. Imagine-se o tamanho da Ilíada...!
Minha breve leitura de Estado Bruto, que parece ser a primeira leitura desse texto, desejo que seja acrescida de outras, para a construção da grande história, que virá a ser sugerida no mito fundado por Jeanne Chaves, com o encontro de Max e Uélito.
Faço referência a um aspecto que me despertou especial atenção. A existência de um drama romanesco se constrói numa tensão dialética. No texto de Jeanne, o eixo dialético põe as duas personagens numa prisão. Mas a prisão, o espaço físico, é apenas alegoria do cárcere interior em que se debatem ambos. Um cárcere de calúnia; o outro, no da rejeição. Rejeição e calúnia originam conflitos humanos sem tamanho. Se Braz Cubas diz que não teve filhos para não transmitir o legado da nossa miséria, a personagem de Jeanne diz: "Não vou procriar para ver meu filho se tornar mais uma vítima de discriminação."
A mim, como leitor, interessam-me algumas coisas neste romance. Algumas imagens, por exemplo: "... liberdade é (...) cometerem coisas de pássaro..." Alguns momentos de reflexão a respeito do ceticismo, o ceticismo na postura de Uélito, por exemplo.
Mas, assim, o que me interessou, mais de perto, como leitor, foi precisamente o cárcere da rejeição. Cárcere vivenciado por Max. Destaco o que me pareceu mais significativo em Estado Bruto. Aqui na fala de Max: "O homossexualismo é ancestral, Uélito, e não só na espécie humana. A organização do homem em sociedades e civilizações, sob a influência de religiões de culto monoteísta, determinou uma ordem social que vinculou amor à reprodução. Minha prisão vem de antes de eu nascer."
Ao ler essa concepção que a romancista faz Max expressar, é impossível deixar de fazer referência a Otávio Paz: "O erotismo é metáfora da sexualidade. É triunfo do homem sobre a imposição de procriação da natureza. Para a personagem de Estado Bruto, é libertar-se da "influência das religiões de culto monoteísta". E mais, ainda com Otávio Paz: "O erotismo é a cota de paraíso que coube ao ser humano neste mundo." É isto, parece-me, a grande descoberta das personagens desse romance. Descoberta vivida nas grades da prisão, antes prisão existencial que prisão física imposta pela organização social.
Pode-se prender um ser humano, mas ele, ainda assim, pode estar em liberdade.
Janilto Andrade

Professor de Teoria Literária e História da Arte da Universidade Católica de Pernambuco







terça-feira, 9 de novembro de 2010

Essência



Acho que sempre esperei sentir o cheiro do melaço da cana na minha primeira respiração.Eu esperei ser aquecida em roupinhas de cambraia, bordadas pelas mãos das avós, tias, madrinha, e vizinhas. Um gosto irrecusável da florada do caju na boca. Esperei que meus primeiros brinquedos: meu chocalho, a caixinha de música... Fizessem o mesmo som da garganta da acauã... Do curió. Acho que sempre desejei que o primeiro lugar destinado a mim na casa, tivesse uma grande janela de onde eu pudesse olhar o colorido de coroas-de-frade no quintal. E num domingo, quando todos se reunissem para comemorar as chuvas vindas das preces a São José, eu passaria de mão em mão, e cada uma delas cuidaria de me empanturrar de rapadura batida, calda de doce de jaca, suco de umbu cajá, pamonha de milho fresco. E com mais um pouco de tempo, o interminável enxoval feito para o meu nascimento seria substituído pela carícia do algodão cru, fiado em teares nos fundos da casa, e tingidos em tachos fumegantes de barro.

Mas, por força do êxodo, tudo ao que os meus sentidos pueris se ativeram era tão cinzento e frio. Tais informações não coincidiam com as que os meus genes já conheciam. A chuva que caía não era rezada, dela não se esperava abundância no roçado. Não, ela não faltava, como imposição de castigo imerecido. Era constante, acabrunhada, e, excomungada. Refratando o asfalto feito rio, cujas margens brotavam concreto. Nenhum júbilo lhe abria as bocas nem o chão. Ela era tão sem graça, tão sem cor. Nenhum arco-íris a precedeu, só a fumaça.

Meu lugar na casa mostrava quadrados de grades pelas quais eu via alvenaria, alvenaria, alvenaria, antenas e muitos fios, irrisórios pombos, pardais ocasionais. Uma selva de almas nas mãos de nenhuma das quais a minha passou.

Tudo cheirava a Tietê. E os gostos, fuligem. E eu era tão nua. Tão farta da falta da identidade que meus genes conflitavam.

Quase fui triste, como se a ausência de explicação para mim não fizesse sentido. Temendo que quando, por ventura, um dia fizesse, eu perdesse todo o sentido.

Ilustre desconhecido, o destino é um poeta, fez do sal das salinas daqui, o mesmo tempero das minhas veias. Agora me basto. E do meu lugar jamais fui tão plena. É ele quem me conhece os canaviais e coqueiros, o mar, o cerrado, e a caatinga.

Voltar à minha terra acidental de nascimento nunca é como me visitar. É uma gozadora concessão do destino a que ela me visite. Ela, estrangeira que perdeu a bússola na pressa de partir e se partir, como quem não se quer mais.



Este texto é dedicado, com um carinho imenso, a Marcelo Rocha, com umas observações:

Somos esse povo grandioso sem jamais ter utilizado qualquer tipo de medo, de fraqueza, de insegurança. Nós não os conhecemos. Somos quem somos porque ainda sabemos o que somos.

E, à Mayara Petruso, incitadora do afogamento de nordestinos, estudante de Direito que fez torto, rogarei uma praga no estilo Bento Carneiro, personagem de Chico Anízio (cearense):

“Tomara que ao transitar com seu carro, lavado de chuva ácida, em um dia de engarrafamento quilométrico, pela Marginal Pinheiros, lhe tombe em cima um caminhão carregado de rapaduras, e, que se elas não lhe abrande a mediocridade, ao menos, lhe torne a vida mais doce."

Quando isto acontecer, vem pra cá que serás bem recebida.



Jeanne Chaves

sábado, 6 de novembro de 2010

Limiar Literário



Disseram-me que em literatura é preciso adotar uma linha, moderna ou conservadora. Mas, tudo disso a que me exponho, novo ou antigo, me é contemporâneo como se sempre tivesse existido. Conteúdos repaginados, renomeados que, igualmente, sempre existiram, e não há crueldade litarária maior do que reprimir a expressão de um texto, com forma ou disforme, alinhado ou marginal, lírico ou concreto, em função de um contexto modal. Talvez, ser moderno seja admitir que o futuro nunca chega e que o antigo nunca passa. Quem sabe, não se angustiasse tanto os momentos em que um texto precisa nascer, nem matar o seu criador. O estilo litarário, talvez, seja uma possibilidade de táxon dos nossos neurônios-espelho, se, ou quando isto for confirmado, num futuro que nunca chega, mas chegado será passado, nos edifique um "Desmantelo Azul" e nos descosntrua Kafka, para não pensarmos que, como a de José, a nossa festa acabou.


Jeanne Chaves

Sexo Coletivo




Sexo as fartas é fato.
A três por quatro.
A dois. A três. De quatro.
Salubre. Santificado. Bestial.
Frustrado. Feito bom ou mal.
Solitário. Trocado. Virtual.

De tudo que nos é emblemático
- pobre dele! -
é ele o recipiente natural.

Romântico. Comprado. Normal.
Vendido. Enganado. Violado.
Anárquico. Genérico. Institucional.

De tudo que nos é próprio
- Que destino! -
por agora, no futuro e ancestral,
ele, é a propriedade mais banal.
Jeanne Chaves