domingo, 12 de setembro de 2010

Maia

Ela estava definhando, percebia-se no modo como cruzava em ziguezague a pequena e estreita ponte sob um dos incontáveis canais da cidade. Era manhã cedo, e eu a percebi primeiro. Andava com um cansaço de aceitação do irrefutável, do imutável. Quero dizer: ela não se defendia dos carros da rua de mão dupla, mas o contrário, os motoristas se defendiam de um homicídio, esperavam pacientemente que ela se decidisse na travessia. Então me dei conta: ela não enxergava! Mas, havia algo mais. Naqueles poucos momentos em que eu a observei, temendo que o sinal abrisse sem que fosse possível me assegurar se seria certo tomar uma decisão por ela, de saber se seria certo prorrogar o tempo do seu sofrimento, senti que ela, simplesmente, havia desistido de continuar vivendo.

Havia já uma intimidade entre nós, um entendimento do que seja cumprir um desígnio, mas em mim coube a sensação de poder em desafiá-lo, contra a vontade dela e do marido prático, porque viver não é nada prático.

Eu já vi, mais vezes do que desejaria, animais aguardando o sacrifício em diversos centros de controle de zoonoses. Sempre me vinha no pensamento a lembrança de cenas do holocausto judeu, onde os prisioneiros que seriam encaminhados para a morte se aglomeravam, se abraçavam e choravam. Pois é assim que os cães se comportam nestes centros; permanecem juntinhos uns dos outros, independentemente da idade, da raça ou do temperamento, como a tentar levar, aonde vão, um pouco do calor da vida. Eles se amparam e choram. E nos momentos finais, antes do extermínio, resistem, lamentam e urinam de raiva e de medo.

Pela comparação, aquela alternativa me pareceu fora de questão.

Foi assim que na família foi introduzido um sexto membro.

Nesta história, Maia explica um pouco a ‘metáfora do gafanhoto’, discutida há muito tempo com a minha amiga Cau Alexandre. Mas esta, eu conto outro dia.
Jeanne Chaves