domingo, 17 de outubro de 2010

Riscos Brasil:

Com um presidente sem maioria no Congresso Nacional: só um evidente, o de que ele tenha que passar quatro anos conchavando, dando aqui e recebendo ali para poder governar e preparar as bases da re-eleição. E o país parado. Essa película até já desbotou de tão vista. Calejou os olhos, tanto que nem mais se enxerga.
Com um presidente com maioria no Congresso: dois evidentes; o de que se introduzam as tão faladas reformas da previdência e tributária (reforma social não está na pauta), de conteúdo desconhecido da maioria do povo. O outro, o da formação de uma 'dinastia', como no passado.

Mas essas não são as fundamentações comparativas que o povo adota. Influenciados nocivamente pelo aparelho ideológico religioso, hipocritamente, se deixam manipular por uma questão que já deveria ter sido erradicada a muito tempo das discussões: quem é a favor da legalização do aborto. Observemos que o tema, mais que uma questão moral ou religiosa, é uma questão de saúde pública, inerente especificamente, à mulher. Alguém já ouviu falar de um homem incriminado ou excomungado pelo que adveio depois da cópula consentida? Não. Nesses casos a mulher assume todas as consequências. São incentivadas, até, a que dêem à luz a uma criatura oriunda da violência, contra toda a sua repugnância, contra toda a sua humana incapacidade de conviver e ter que educar a progênie do seu agressor a fim de que ele nunca se transforme no que a corrompeu de corpo e alma, como nas situações de estupro. Nestes casos, são incentivadas pela Igreja. Ao Estado, cabe cumprir, malmente, o que determina a legislação para a assistência a esses casos. (Por falar nisso, a castração química de estupradores é um tema que dói no íntimo de quem, para ficar tão fora dos debates?).

Para César, o que é de César. Para Deus o que é de Deus. Ao governante o que é da política. À Deus, as coisas do espírito. Mas o que é de quem nessa zona de conflito político-religioso-capital-social?

Sendo prática no raciocínio: não deveríamos estar discutindo a legalização do aborto.
A ciência filosofa sobre quantas células são necessárias para que se possa dizer que um indivíduo é precisamente isto, (antes ou depois da formação do tubo neural do feto?).
As religiões, distantes dos avanços científicos se enclausuram em seus porões escuros e dá lá gritam: "Façam o que eu digo, não façam o que eu faço!", para uma horda de seguidores no 'estado vegetativo' de dormir, acordar, e entre um afazer e outro, procriar, porque este é o instinto.

São necessárias duas células para formar um indivíduo. Duas culpas ou duas remissões. Dois sins, simultâneos e concomitantes. Considerando que haja amor, não o amor dos bichos, porque até eles procriam. Entretanto, cada célula germinativa, está viva, e é, individualmente, a latência e o potencial de toda criatura de reprodução sexuada, entre elas, a criatura católica, criatura evangélica, criatura gnóstica, criatura agnóstica, criatura política, criatura apolítica, criatura alienada, criatura consciente, criatura douta, criatura rude, criatura macho, criatura fêmea. Criatura humana.

Deveríamos estar discutindo o controle do fluxo de procriar, um tipo de controle que fizesse qualquer 'Padre Amaro' se dar ao luxo de ser humano numa época em que existe a disponibilidade de conhecimentos médicos-científicos para nos redimir de ser tão-somente-humanos.

Um tipo de controle, que fizesse qualquer cobrador de pedágio para o céu se preocupar apenas com suas megalomanias em querer chegar a ele sem conhecer as coisas da Terra.

Deveríamos estar discutindo a ligadura de trompas e a vasectomia, enquanto medidas de interesse em saúde pública, como foco central do combate a interrupção da vida, sim porque a partir do momento em que duas células haplóides se fundem, tem início um novo ser, uma vida.

Deveríamos estar discutindo um novo conceito em bancos de células reprodutoras, para os casos de irreversibilidade das cirurgias.

Mas infelizmente, nos acostumamos a digerir muito do mesmo. Mídias manipuladoras de mentes, à sua conveniência. Líderes religiosos obtusos, sedentos de fama e dinheiro. Partidos políticos oportunistas e sem o mínimo escrúpulo para lidar com a ignorância e os preconceitos dos hábitos, reconhecidamente, colonialistas do povo. Uma escola rota, de princípio celetista e capitalista que produz indivíduos 'fazedores' ao invés de 'pensadores'.

Não há amor nem Deus nenhum em nada disso.

Resta o sexo. Restam as consequências dele: prazer e/ou dor. Crime e castigo, quando sabido. E amiúde, um dedo na ferida que de tanto tempo dentro, cicatriza junto com o ferimento, ou apodrece do mesmo modo que o pus.

Tudo como de hábito. Nosso maior risco somos nós mesmos, e corremos, em nome da fé pela fé e da esperança em milagres.

Jeanne Chaves