O jogo valia a ascensão à primeira divisão dos times estaduais de futebol. Quarenta e cinco minutos do segundo tempo, zero a zero no placar.
Ele recebeu um passe preciso na meia lua. Ergueu a bola, girou o corpo e chutou, com a consciência de que recebeu o passe em situação de impedimento.
A bola viajou e numa curva perfeita descansou na rede. Rapidamente ele se levantou e ainda de costas para o seu campo de defesa, ergueu o braço e gesticulou negativamente.
O juiz, com o apito a meio caminho da boca olhou para o bandeirinha reduzindo a corrida para o centro de campo, na intenção de validar o gol. As torcidas, pasmas, fizeram silêncio. Os jogadores do seu time partiram para cima dele.
O capitão do time praticamente cuspiu na cara dele:
- Tá doido? Acabou de jogar milhões em patrocínio da primeira divisão no lixo. Tu tá acabado... Canalha!
O juiz, gritando para se fazer ouvir entre os palavrões dos jogadores e os aplausos da torcida beneficiada com a anulação do gol, disse:
- Você é um homem!
Tomando a bola nas mãos, correu para o centro do campo e apitou o final da partida.
A torcida do time do anti-herói, gritou:
- Frouxo! Viado!
Alguns lhe atiraram coisas no caminho dos vestiários.
O técnico, fleumático, acusou:
- Você conseguiu ferrar com tudo! Eu mesmo vou pedir sua dispensa. Futebol é esporte pra macho, seu merda!
A quebradeira foi geral nas imediações do estádio. Ninguém se identifica com perdedores e o duelo que não fora ganho em campo prosseguiu fora dele. Suas almas tinham que ser lavadas com brutalidades que pudessem ser contadas em zombarias para os seus pares.
E o anti-herói do jogo? Perdidos os patrocínios individuais, aceitou a proposta de sociedade em uma academia de ginástica elegante onde, além da participação em outros lucros, teria uma porcentagem de comissão sobre a venda de esteróides anabolizantes.
Súmula: 'ao se pensar em ética, há que se saber a quem qual interessa'.
Jeanne Chaves